Descrição

Fechado em mim próprio, só do que é meu sou dono, e ainda assim apenas em parte, pois a intimidade pessoal, aquilo que fiz ou deixei de fazer sozinho, só a mim diz respeito, e tudo o que seja partilhado, vivido com outras pessoas, tão-pouco é meu, e, é impensável partilhá-lo. É sempre de duvidar e ter em pouca consideração, aqueles, ou aquelas, que propalam as suas relações, mais ou menos em pormenor, e lhes põe os seus nomes para que não restem duvidas. Há experiências que convêm selar, depois de as termos enterrado, mesmo que sejam inolvidáveis, e pudessem … Continuar a ler Descrição

Satanás, Esse Grande Desconhecido

A maioria da humanidade tem uma ideia errada sobre Satanás. Imaginam um ser com chifres, asas, garras e pele cor de sangue; um ser que encarna a maldade e trava uma longa e prolongada guerra com Deus e a raça humana. Mas, o Diabo não é uma figura caricatural que trama a destruição universal ou, que possui freiras e padres. Não há muito tempo atrás, ele era conhecido por se mover em círculos distintos. Durante o período de tempo que se estendeu desde o início da Revolução Francesa em 1789 até a Primeira Guerra Mundial em 1914, a carreira de … Continuar a ler Satanás, Esse Grande Desconhecido

Que Felicidade?

Na verdade, há maldade em qualquer ponto do planeta, mas, por vezes, dá a impressão que a felicidade é mais uma questão de geografia do que de sentimentos. Ser feliz é coisa de ingénuo, é para meninos, ou para os europeus. Por exemplo, no México e no Brasil, entre muitos outros países, que conhecem bem a infelicidade e a violência, as coisas são mais “excitantes”. A violência surge antes dos meninos calçarem sapatos (aqueles que têm sapatos), continua depois e, não pára até alguém aparecer morto num beco qualquer. Nestas latitudes os meninos matam por tédio. ©Fernando Kaskais Continuar a ler Que Felicidade?

Envelhecendo

Ao longo da vida aprendemos muita coisa, mas, não aprendemos a envelhecer, ninguém nos ensinou essa disciplina fundamental, talvez porque quando somo novos, o envelhecimento parece-nos uma doença que só afecta os outros e que nós, por algum milagre desconhecido, permaneceremos jovens. Estupidamente, tratamos os idosos como se eles tivessem culpa do seu envelhecimento, como se tivessem contribuído para que isso acontecesse, comprando os diabetes, a aterosclerose, o reumatismo ou o Alzheimer, a traficantes clandestinos de doenças, quando, na verdade, todos são afectados pela doença do envelhecimento, dos mais inocentes aos mais saudáveis, dos mais pobres aos mais ricos. Seja … Continuar a ler Envelhecendo

De Passagem

Que me importam os laços estabelecidos nesta cidade a que não pertenço e onde não vou ficar? Que peso ou influência têm o que haja acontecido antes da minha chegada, e, que peso ou influência terá aquilo que vier a acontecer depois da minha partida? Este lugar pôs-se em marcha no dia em que pisei o seu solo, e ficará suspenso no tempo no dia em que sair de cá. Esse mesmo tempo que nos faz dar um salto do útero para o túmulo; indo do recordamos ao que tememos, do sitio onde aprendemos a estar de pé, até aquele … Continuar a ler De Passagem

Eu,Quem?

É desconfortável escrever na primeira pessoa. Porque aquele que escreve, não é o mesmo que viveu ou imaginou aquilo que acabou de escrever. Parece, mas não é o mesmo. Se me trato por eu, ou utilizo o meu nome de baptismo, é apenas porque aquilo que tenho de escrever exige ser escrito na primeira pessoa, e não porque acredite que basta a faculdade da memória para que eu, ou alguém, continue a ser o mesmo em tempos diferentes e em espaços distintos. Alguém que conta o que viu e aconteceu, não é a mesma pessoa que viu aquilo e a … Continuar a ler Eu,Quem?

O Homem Partido Ao Meio

Caminhar é um vicio, uma droga; mesmo quando para e se senta, as pernas, os pés, continuam a tentar mexer-se, a deslocar-se virtualmente, incapazes de se deterem. Ás vezes, enquanto dorme, parece que da cintura para cima, está calmo, relaxado e sonolento e, da cintura para baixo, está incontrolável, em polvorosa, receando que as suas pernas comecem a andar sozinhas, por vontade própria e, o levem para locais com os quais não concorda e, que contra a sua vontade, se ponham a dançar ou, a fazer piruetas e, o levem para o meio de prédios degradados, subam por escadas desconhecidas, … Continuar a ler O Homem Partido Ao Meio

Surf Estático

© FERNANDO KASKAIS Qual a quantidade de movimento que traz saúde física, moral e intelectual? Onde está o equilíbrio entre movimentos ou a falta deles, ondas ou a falta delas, ondas estáticas ou surfistas estáticos? Segundo Balzac; um homem que faz muitos movimentos é como um grande falador; a gente evita-o. Os movimentos corporais de um determinado desporto, são movimentos de um corpo individual, mas, repetidos em milhares de outros corpos, reduzidos a movimentos colectivos, perdem a característica de serem movimentos de corpos individuais. A massificação adultera tudo, até o movimento. ©Fernando Kaskais Continuar a ler Surf Estático

Tarot e Tempo

Há várias maneiras de encarar o Tarot. Uma delas é olhar para o Tarot como um conto de fadas sobre a vida, os obstáculos existenciais e as recompensas pontuais. É um livro de cores berrantes para adultos, no qual o prazer, ou a antecipação do prazer, não é provocado pela repetição de uma história familiar mas, pelo contrário, pela possibilidade de um imenso numero de combinações. O Tarot é uma espécie de literatura alternativa na qual a força do texto não depende do escritor, mas depende sim, do poder do interprete e da imaginação do consultante. Com o passar dos … Continuar a ler Tarot e Tempo

O Vizinho Hipotético

Há uns anos atrás, numa viagem para a Grécia, quando sobrevoávamos a Itália, olhei pela janela do avião e lá em baixo vi a terra escura, pontilhada por vários conjuntos de luzes, as grandes e pequenas cidades. Quando nos aproximámos da costa, dei por mim a imaginar um pescador que sai da sua casa e ergue os olhos para o céu estrelado para perceber como vai estar o dia seguinte. Olha para as luzes do avião que passa lá em cima desinteressadamente. Se traçássemos uma linha recta hipotética do local onde o homem está até àquele avião onde me desloco, … Continuar a ler O Vizinho Hipotético

Falsa Partida

Ela perguntava muitas vezes a si própria como era possível ele saber tão pouco sobre ela. Para ele, a vida dela parecia-lhe um retalho de tecido barato, que lhe foi atribuído permanentemente, que não podia ser esticado, aumentado ou encurtado. Um retalho de tecido que ela lavava, passava a ferro e guardava cuidadosamente. De tempos a tempos, silenciosamente, como quem faz amor com a luz apagada, ele puxava um fio ocasional desse tecido. Como era possível ele saber tão pouco sobre ela e o que sabia parecer-lhe tão pouco importante. Ela sabia bastante mais sobre ele, pois ele era o … Continuar a ler Falsa Partida

Memórias Indefinidas

A memória atraiçoa toda a gente, especialmente aqueles que pensamos conhecer melhor. É uma aliada do esquecimento, uma agente avançada da morte. É uma rede de pesca com meia dúzia de peixes e montes de lixo.Tentar usá-la para reconstituir alguém é uma perda de tempo. O que é que se passa com esses biliões de neurónios no nosso cérebro? Para que é que uma pessoa vive tanto tempo se acaba por esquecer tudo? Uma pessoa normal não se lembra do que é que almoçou ontem. Coisas que fazem parte de uma rotina, de natureza repetitiva, são para serem esquecidas, o … Continuar a ler Memórias Indefinidas

O Homem Fragilizado

Ao longo da minha vida, tive sempre o pressentimento que, nós homens (há excepções, claro), se formos abandonados pelas mulheres a nós próprios na companhia silenciosa e desgastante do decorrer do tempo, acabaremos por sucumbir a uma atrofia insidiosa. Parece que fomos concebidos apenas para um curto espaço de tempo intensamente vivido, uma entrada triunfante, uma corrida emocionante, uma vitória, seguindo-se a exaustão. Esgotaram-se as reservas de energia e, nessa altura passamos a viver a crédito. A verdade é muito simples; os homens precisam mais das mulheres do que as mulheres precisam dos homens. As mulheres podem muito bem viver … Continuar a ler O Homem Fragilizado

Território Mortal

Um velho cangalheiro disse-me uma vez que a morte marca o terreno, tal como um cão que urina para marcar o seu território. Vai rondando por ali até chegar a hora de ferrar os dentes em quem veio buscar. Há pessoas que dão com isso quase imediatamente, e começam a sentir que há algo que as impele a ir para outro lugar, há outras que passado algum tempo, apenas se sentem estranhas. Garantia ele que, se estivéssemos atentos sentiríamos a presença subtil dos mortos e, por consequência, a da própria morte. Todas as casas, avenidas, jardins públicos, praças e ruas … Continuar a ler Território Mortal

Rodeo

© FERNANDO KASKAIS A lei da gravidade não é uma lei dos homens, não é politica; não muda com uma revolução militar ou com qualquer alteração partidária. A cidade, as discussões entre os homens não mudam a intensidade com que uma força da Natureza interfere nas circunstâncias de um homem. E, assim, ele ali está, a ganhar a vida qual cowboy alado, num precário equilíbrio, numa luta entre ele, o medo e o nada que o separa do solo. ©Fernando Kaskais Continuar a ler Rodeo

A Mulher Transparente

Aqui há uns tempos, uma amiga confessou-me que, nos últimos anos, tinha percebido que se tornara invisível. Não fez nada de especial, bastou ser simplesmente uma mulher de meia-idade, sem nada que a distinga particularmente, para logo se tornar invisível. Tornara-se invisível para os homens, mas também para as mulheres, que deixaram de a ver como uma possível rival. Parecia genuinamente surpreendida, por se ter transformado numa mulher Teflon, sentia que os olhares das pessoas deslizavam pelo seu rosto sem sequer o aflorar. Os olhares atravessavam-lhe o corpo, parecendo-lhe que as pessoas olhavam através dele, conseguindo ver anúncios, paisagens e … Continuar a ler A Mulher Transparente