Ingratos

“Ai daquele que esconde desertos dentro de si.” Escreveu Nietzsche há mais de um século.Desde então, os terrenos minados da nossa existência alastraram cada vez mais indiscriminadamente, tanto por dentro como por fora. As nossas vidas sociais e espirituais são sugadas pelas telas dos nossos computadores e telemóveis. As nossas habitações, espaços públicos e cidades, sofrem de uma praga cujas causas permanecem obscuras, enquanto os efeitos são muito evidentes… a loucura generalizada. Os filósofos gregos, começando por Aristóteles, acreditavam que a felicidade humana só era possível dentro da polis e das actividades derivadas da cidadania. Por sua vez, Epicuro acreditava que a felicidade deveria … Continuar a ler Ingratos

O Verbo

No principio era o Verbo, e os ignorantes tomaram o Evangelho á letra, pensando que as palavras seriam a sua alegria e redenção. As suas histórias teriam significado. Mas, que histórias? Mas, que outra coisa é a vida de cada um, a minha, a tua, a de todos, se não uma história mal contada, confusa nas peripécias, primária no desenho das personagens, inconsequente nas cenas, nas emoções e no seu desfecho? ©Fernando Kaskais Continuar a ler O Verbo

Os Meus Dias Por Entre Os Minutos

Uma coisa é examinar a minha vida, e outra completamente diferente é escrever sobre ela. Escrever sobre a nossa vida implica a pessoa achar que vale a pena fazê-lo. Implica alguma arrogância, ou uma necessidade de confidencia e uma compulsão para a autojustificação que eu simplesmente não tenho. As nossas vidas são todas diferentes e todas iguais, como uma peça de teatro… três actos e um triste fim. Por isso, vejo-me como um companheiro de viajem na vida de algumas pessoas, e um turista na minha própria vida. Sou uma daquelas pessoas a quem a vida simplesmente aconteceu. Não planeei … Continuar a ler Os Meus Dias Por Entre Os Minutos

Observatório

© FERNANDO KASKAIS Observam o barco, talvez gostassem de estar no barco para poderem gostar de estar em terra. Como diz o poeta; quem cruzou todos os mares cruzou somente a monotonia de si mesmo. Pois, neste mundo, viajantes, voluntários ou involuntários, entre o nada e o nada, ou, entre tudo e tudo, somos todos apenas passageiros, observadores, que não devem dar demasiado importância aos percalços do percurso, ás oscilações da embarcação e, ás imprecisões da trajectória. ©Fernando Kaskais Continuar a ler Observatório

Jogo de Sombras

Não vale a pena perderes tempo a tentar encontrar-te a ti mesmo, não o conseguirás e, até será mais avisado não começares a busca. Não precisas de ir para um mosteiro, fazer uma peregrinação ou praticares meditação. Permanecerás sempre incognoscível para ti mesmo. Aquele que vês no espelho não és tu. O que se passa contigo passa-se com todos os seres humanos desde o principio dos tempos. Estamos impedidos de nos conhecermos a nós mesmos. Não se pode pintar a luz do sol, só se pode pintar (ou fotografar), o que ela faz com as sombras numa parede. Se examinares … Continuar a ler Jogo de Sombras

Apocalipse Pessoal e Intransmissível

O Juízo Final não é algo que está para vir, já aconteceu, o Apocalipse não é colectivo, mas pessoal, e sucede dentro de cada um, quando todas as certezas que temos nos fogem como água por entre os dedos das mãos. Quando acreditamos que as desgraças no imediato, podem ser a promessa de milagres futuros. Quando nos enganámos duplamente, na realidade da vida e na generosidade dos outros. Enfim, não somos mais do que areia que se imagina vidro, cacos que se imaginam uma peça única, almas que se imaginam seres de carne e osso. Somos o nada que acredita … Continuar a ler Apocalipse Pessoal e Intransmissível

Mundo Bêbado

A maneira como o mundo vagueia, e acelera, para trás, para a frente e para os lados, deixa-te zonzo. Deixa-te a pensar na diferença entre o que gostavas de ser e o que realmente és capaz de ser. A pensar como conseguir respeitar-te a ti mesmo quando sabes que és confuso, medroso e algumas vezes cobarde. Como respeitar um mundo em que nada daquilo em que acreditas é valorizado. Como conseguir viver e envelhecer dentro dessa cabeça que desdenhas, e de uma cultura que desprezas? Cada dia mais preguiçoso e cansado, como vais envelhecer num mundo em que a adolescência … Continuar a ler Mundo Bêbado

When I’m Sixty Four

Devia ter publicado isto no ano passado, pois já vou nos 65. Paul McCartney escreveu esta musica em 1967, eu tinha 10 anos nessa altura. Os sessentas são a idade da ansiedade. Sentes que te estás a aproximar da velhice e começas a entrar em parafuso. Tentas convencer-te que assim que passares o septuagésimo aniversário (se lá chegares), tudo isso desaparece. És como uma pessoa que tem um carro velho e nenhum sitio especial para onde ir. Assim, vais com ele para onde te apetece, e cada dia que passa e o carro funciona, é como uma prenda de natal. Entretanto, … Continuar a ler When I’m Sixty Four

Suicídio

© FERNANDO KASKAIS E, afinal, que sentimento havia? A impossibilidade de o ter, o coração fora do peito, desfeito na cabeça, os sentimentos confundidos, um torpor da existência que se esvai, o apurar do ouvido para uma revelação definitiva que nunca aparece. E aquilo, era névoa ou fumo? Subia da terra ou descia do céu? Não sabia, parecia uma doença do ar, mais uma moléstia do olhos que um fenómeno da natureza. Um tédio materializado, próprio, uma impossibilidade de ser o que se é, um corpo imponderável de angustia e desolação, que só quer voar. ©Fernando Kaskais Continuar a ler Suicídio

Entre o Bem e o Mal

Perante o caos que vemos todos os dias em relação á Justiça, ou, á falta dela, devemos reflectir o que representam para a Justiça, a verdade e a mentira, o racionalismo e a ideologia. Frequentemente, as verdades são mentiras e as mentiras são verdades e o racionalismo obtêm com a destruição de uma concepção ideológica do mundo, apenas espaço para a seguinte. Isto não significa que a verdade e mentira não existem. Quer dizer apenas que, somos nós que criamos a responsabilidade quando decidimos o que é verdade e o que é mentira. Também somos nós que decidimos o que … Continuar a ler Entre o Bem e o Mal

Segredo

Diz a Aranha: “O segredo do sucesso é o segredo. Não apresentes tu próprio a tua personalidade, mas deixa que os outros a “descubram”. Torna-te interessante mas reservado, e permite que os outros te vejam como querem que tu sejas. Não escondas as tuas fraquezas, mas usa-as, se tudo correr mal, não disfarces a tua derrota; aceita-a! “ ©Fernando Kaskais Continuar a ler Segredo

Ciumes

Alguns duelos tinham lugar porque se dois homens amavam a mesma mulher, não havia lugar suficiente no mundo para os dois. Já que, se realmente a amavam e não a podendo ter os dois, também não queriam ter um lugar neste mundo, preferindo morrer num duelo do que viver sem ela. É pena que as mulheres já não entrem nesse jogo e, em determinadas circunstancias, prefiram o homem errado, àquele que morre, ou até mesmo os dois. ©Fernando Kaskais Continuar a ler Ciumes

Retórica

Então, o politico começou a falar. Primeiro ouvia-se com estranheza e depois com fascínio. O homem estava a falar sem dizer nada. O seu discurso tinha estrutura, as frases tinham começo meio e fim e seguiam-se umas ás outras, as citações eram bonitas, e aquilo que ele evocava e nos transmitia para reflectirmos parecia ter alguma substância. Mas, não tinha. No fim, tudo espremido, não resultava em nenhuma tese, nenhuma ideia concreta, nem afirmativa nem critica. Era a maneira perfeita de evitar qualquer compromisso, de dar qualquer opinião, que pudesse merecer alguma critica e até (deus nos livre), alguma autocrítica. … Continuar a ler Retórica

Chapéu

© FERNANDO KASKAIS O inútil é belo porque é menos real que o útil , que se prolonga e continua, ao passo que o maravilhosamente fútil, fica onde está, não passa de ser o que é, vive liberto e independente. O inútil e o fútil abrem na nossa vida real intervalos de estética humilde. Quanta fantasia não há, na mera existência insignificante de uma fita cozida num chapéu. A fotografia prolixamente impressionável não se olvida da maravilha das pequenas coisas. ©Fernando Kaskais Continuar a ler Chapéu